2011 foi, desculpem o clichê, mais um ano de grandes talentos que se foram. Sócrates, Elizabeth Taylor, Steve Jobs, Joe Frazier, Lumet, Amy e dezenas de outras personalidades. Inevitável, a morte entristece mas dificilmente choca, porque, como o Chico Anysio bem disse esse ano, não devemos ter medo dela, mas pena. Ela não deveria incomodar, por isso não costumo dar a ela um valor além do que tem, o de lembrar do tempo finito para fazermos as coisas que deveríamos fazer. De todos os acontecimentos desse ano, a morte que realmente me incomodou foi a relacionada àquele video da garotinha chinesa atropelada, prostrada na rua, enquanto dezenas de pessoas passavam por ela sem menção de ajudá-la. Quando me peguei pensando em fazer um texto de fim-de-ano, foi essa a primeira imagem que me veio à mente.
Não sei quando o individualismo e o egocentrismo passaram de coadjuvantes a protagonistas em nossas vidas, mas nunca fomos tão tomados por esses comportamentos. Tomo o cuidade de não cair na nostalgia pra afirmar que “na minha época não era assim”porque, na maioria das situações em que essa frase é proferida, era. Talvez antes passasse mais despercebido. Não condeno de todo o individualismo, ele é disseminado muitas vezes por proteção, por querermos que as pessoas que nos cercam criem um escudo contra os males da humanidade e, principalmente, contra as próprias pessoas, mais “espertas”, que podem nos prejudicar. O problema é quando a própria sociedade o transforma num padrão de comportamento, num modelo, como hoje. O chefe “bonzinho”sempre levará a empresa à falência; devemos aceitar ou oferecer suborno porque, se não fizermos, algum outro fará; podemos estacionar naquela vaga de deficientes porque estamos com pressa; os outros que cuidem dos próprios problemas porque já estamos ocupados demais com os nossos. E, em meio a todos esses chavões e justificativas, vamos nos perdendo. E nunca percebemos que o melhor da solidariedade não é o reconhecimento dos outros, mas a identificação silenciosa de quem aprova. Nossa e dos outros. O balançar da cabeça em sinal positivo, o pequeno sorriso espontâneo. Identificar nos olhos de outra pessoa a aprovação do caráter. Adentrar o círculo da cumplicidade de pequenos atos cotidianos acaba trazendo ganhos maiores que a vantagem momentânea oriunda do egocentrismo. A sociedade percebe. E devolve, quando descobrimos que o círculo de bondade aumenta à medida que amadurecemos. Um dia identificamos gente assim num chefe diferente dos habituais, numa nova amizade, numa reportagem qualquer, em alguém que nos desperte a inveja sadia e faça com que queiramos partilhar desse mundo de gestos expontâneos , naturais e desinteressados de, apenas, ajudar.
Resolvi, nessa virada de ano, parar com as famosas listas de resoluções com os famosos itens que circulam entre emagrecer, trocar de casa, arrumar um emprego melhor, andar num balão, ir à praia, fazer uma viagem além-mar, “ser feliz”. Não que instantes felizes sejam pouco importantes, eles só duram menos que a paz de espírito. Eu quero apenas, em 2012, poder ser realmente útil à sociedade ,ou a uma só pessoa se isso não for possível. Quero acabar com as desculpas e usar sacolas recicláveis no supermercado, ser mais gentil no trânsito, ajudar alguém além do meu ambiente familiar e de amizades. Alguém que não precise sequer pedir ajuda. Quero rir daqueles que chamam tudo isso de hipocrisia, que preferem debochar nas redes sociais em vez de fazer sua parte. Quero que meu filho, que acaba de completar um ano, seja, daqui 20 anos ,tão ou mais ingênuo do que eu fui, mais sonhador, porque esse comportamento o fará um dia conhecer alguém como a mãe dele. E, nesse momento, ele saberá que não poderá deixá-la passar, porque perceberão que fazem parte do mesmo círculo. E que, por fim, ele descubra que toda ingratidão que o mundo lhe atirar ao longo da vida, todo eventual insucesso financeiro ou profissional, toda futilidade que ele valorizar além do que deveria, não será nem significará nada perto da realidade de acordar todos os dias ao lado de pessoas que ele ama, admira pelo caráter e é admirado e amado em troca. Aquelas pessoas que dão sentido a tudo; toda gratidão que ele sempre quis, de volta, do mundo.

Um ótimo 2012 a todos!

“Nós nos sentimos bem em meio à natureza porque ela não nos julga. Na cidade precisamos representar um papel porque estamos muito preocupados com o que os outros pensam de nós.” (Nietzsche). Outra do “Nietzsche para estressados”, do Allan Percy. Estava imaginando o quanto isso também se aplica também aos relacionamentos amorosos e às amizades de longo tempo. Quanto maior a intimidade, a cumplicidade e o tempo, menos preocupados ficamos sobre o que a outra pessoa pensará de nós, e também paramos de julgar essas pessoas, porque as conhecemos de verdade, o pacote completo, e, se elas continuam fazendo parte de nossas vidas, isso basta.

A primeira vez que me deparei com a frase foi num dos livros do Leo Buscaglia, nos anos 80, e é uma das poucas verdades absolutas que carrego vida afora. Já nos 90, ao entrevistar um diretor de RH da Procter & Gamble prum trabalho de faculdade, lá estava ela pregada no quadro acima da mesa: “Isso também vai passar”. Alguns meses atrás lembrei-me dela num ótimo texto do Rich Gallagher pro blog dele, uma alusão do complexo de Poliana ao mundo dos negócios.
Seja no mundo corporativo ou pessoal, não há como escapar da citação. Lembro da minha última visita aos EUA, no início de 2009, com 3 objetivos específicos além do turismo: tirar uma foto em frente ao New York Times (o jornal que mais admirava), outra dentro da Tower Records da Times Square (ícone dos amantes da música) e conhecer uma loja da Circuit City, uma das empresas citadas pelo Jim Collins em “Built to last” , um livro com uma análise incrível sobre as empresas que conseguiam perenizar-se, mantendo crescimento constante, mesmo nos dias de hoje. A Circuit City, um grupo de varejo de mais de 60 anos da área de tecnologia, me interessava em especial porque era a que apresentava melhores resultados nas últimas décadas dentre as analisadas pelo Collins. Tirei as fotos na Tower e NY Times,e conheci a Circuit City de Orlando. Exatamente 1 semana depois, a Circuit City anuncia o fechamento de todas as lojas nos EUA. Dois meses depois da foto, a Virgin anuncia o fechamento da Tower Records da Times Square, substituída por uma rede coreana de roupas. No mês seguinte, o Times anuncia a venda de sua sede. Ainda tenho as fotos de recordação, mas essa destruição de ícones em tão pouco tempo exemplifica a máxima de que sempre temos que nos preparar pro pior. E depois pro melhor. E novamente pro pior, numa eterna linha circular. A velocidade com que conglomerados industriais fundem-se, acabam ou mudam prum ramo completamente distinto é absurda, e muitas carreiras perdem os alicerces quando os envolvidos não conseguem vislumbrar a mudança, ou não se adaptam a ela.
Em junho participei de uma palestra do Renato Bernhoeft sobre governança em empresas familiares, e ele citou uma visita que fez a uma das empresas mais antigas da Italia, com séculos de duração, onde perguntou a um dos herdeiros o segredo da perenidade, e ouviu como resposta: ‘Em nossa empresa, há mortos que estão vivos e vivos que estão mortos.” A contextualização dessa frase daria um texto à parte, mas a relação com o tema está na adaptabilidade. Os ensinamentos dos mortos que ficaram como exemplo, o afastamento dos vivos que não se adequaram ao que era esperado deles, ou que não tinham aquilo como projeto de vida.
Por maior que seja o chavão, as mudanças continuarão batendo à nossa porta. Algumas vezes num sopro de brisa, outras arrebentando toda edificação. O que move a engrenagem é algo alheio à nossa vontade, mas o que fazemos a respeito marca toda diferença. Sabermos que a fase boa de hoje cedo ou tarde mudará, e nos prepararmos pra virada. Sabermos que a fase ruim dará lugar a outro período de prosperidade, mesmo que demore mais que gostaríamos, e aproveitarmos o início da boa onda.
A vida ensina que uma sólida formação acadêmica e um bom networking abrem diversas portas, mas nem sempre as mais interessantes. Há algumas delas especiais, abertas pela identificação. Abertas por quem se solidariza ao caráter, à gentileza, ao bom relacionamento corporativo, às pequenas atitudes do dia-a-dia. O próprio Jim Collins sempre afirmou em seus livros que de nada adianta a empresa implementar planos de mudança se, antes, não estiver cercada das pessoas certas.
A próxima revolução, talvez, seja essa, a da osmose pelo exemplo. Fazer a liderança contagiar o ambiente não apenas pelos resultados da gestão, mas pelo relacionamento interpessoal, pelo que os demais admiram nela em seu comportamernto cotidiano. Porque, num ótimo momento agora ou totalmente sem rumo do que virá a seguir, isso também vai passar . Mas o caráter mantém o barco que nos conduz em meio a esse oceano de incertezas e paradigmas quebrados.